terça-feira, agosto 07, 2007

Espera


Só queria vê-la chegar. Já conferira tudo mais de uma vez: a garrafa de vermute devidamente acomodada no gelo; o disco do Oscar Peterson na velha vitrola; os quitutes apostos por sobre a mesinha de centro; o casal de taças limpas fazendo companhia ao porta-guardanapo; a lixeira do banheiro vazia; e o aromatizante embebedando a casa de flores do campo. Tudo pronto. Só faltava ela tocar a campainha. Não que seja ansioso ou coisa afim, mas, nestas ocasiões, é comum sentir uma faísca de agonia. Além do que, mesmo que tenha perdido as contas de quantas vezes ela veio, faço sempre parecer que é a primeira.


De verdade, ela está demorando muito. Não acredito que tenha acontecido algo de ruim, ela é muito esperta. Lembro de inúmeras vezes em que caí em suas conversas melosas para extrair de mim alguma vantagem. Também pudera: são anos e anos de uma vida difícil. Vez por outra, deixo-me levar descaradamente – é uma forma carinhosa de evitar discussão; outras não, passa-me a rasteira de pronto. Adorei o dia em que ela me ensinou a manusear um canivete. Disse que era para se proteger das agruras da vida. Fui ao dicionário saber o que diabos era agrura. Depois que desci do meu status de hombridade, aprovei o doce acalanto que ela me oferecia.


Trecho da crônica Espera de Mendes Junior.


Leiam a crônica completa aqui

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