sexta-feira, setembro 24, 2010
Como o cineasta Luiz Carlos Barreto, que controlou a Embrafilme e inventou a renúncia fiscal, deu à luz o filme O Filho do Brasil
Extraído da Revista Piauí:
Metade Cristo, metade Al Capone, por ROBERTO KAZ.
Eram dez da manhã de uma segunda-feira quando o produtor Luiz Carlos Barreto chegou ao escritório da Downtown, responsável pela distribuição do seu próximo filme, Lula, o Filho do Brasil. Acompanhado da filha Paula, cumprimentou o dono da empresa, Bruno Wainer - "Ô, meu príncipe!" -, e comentou que havia ido ao cinema no dia anterior: "Era aquele filme do Tarantino. Fui ver se estava passando o trailer do Lula." Sentaram-se.
Barreto espalhou um monte de papéis amarfanhados sobre a mesa e foi repreendido pela filha: "Pai, junta suas coisas porque assim ninguém consegue trabalhar." Teve que atender em seguida a um telefonema do secretário de Cultura do Recife. Terminada a conversa, Bruno Wainer anunciou que Lula, o Filho do Brasil, com estreia marcada para 1º de janeiro, deveria entrar em cartaz em 383 salas de cinema.
Barreto não gostou. "O Avatar está saindo com 700 cópias. Tem um outro americano aí com 500. A gente tem que acreditar que está lançando o filme mais esperado do ano. Não precisa de quatro salas na Barra, mas no subúrbio sim. Quero quatro salas no NorteShopping." Wainer argumentou que 383 cinemas seriam mais que suficientes. Barreto insistiu:
- Trezentos e oitenta salas foi o Carandiru. Não tem nada de mais.
- Ah, se a gente está aqui para bater recorde, tudo bem - disse Wainer.
- Não é para bater recorde, é para ganhar dinheiro - retrucou o produtor. - Esse filme não pode ter menos de 500 cópias. Não quero gastar dinheiro com parangolé no meio da rua. Abro mão de tudo que for anúncio extra para gastar em mais cópias. A gente concentra a publicidade na Globo.
- Mas a Globo falou que só dá para colocar anúncio a partir de 25 de dezembro - disse Wainer.
- Ótimo - festejou Barreto. - Antes do Natal o cara vai estar com a cabeça nas compras, ouvindo aquela música estridente. Fica tudo para a semana seguinte. Bruno Wainer ponderou que a tática seria arriscada. Em função do acordo firmado com a Globo, os anúncios só passariam se a emissora tivesse horários de publicidade vagos. Barreto se exaltou:
- Meu amigo, você me diz quais são suas preocupações que eu vou na alta direção da Globo e determino que com esse filme é diferente! Tem que acabar com essa história de que a Globo está fazendo favor. É uma parceria. Eles têm 10% da renda.
- Então, pronto. Assim você resolve o problema - disse Wainer, com ironia.
- Bruno, estou vendo que você entrou na defensiva.
- Com 383 cópias eu estou na defensiva?
Você está louco, Barreto.
- Se o filme fizer 2 milhões de espectadores você recupera o seu investimento.
- E você acha que 2 milhões de espectadores dá assim, na esquina?
- Quer saber, Bruno? Fiquei muito chateado de você ter dito numa entrevista que o filme vai ser lançado com menos de 400 cópias.
- E eu com você ter dito que o filme vai ter 20 milhões de espectadores - respondeu Wainer.
- É que a gente precisa agir com pressão - justificou o produtor.
- Mas se não fizer 20 milhões de pessoas, você não tira do seu bolso - atacou Wainer. - Eu estou colocando 3 milhões de reais. Se o filme não der certo, o prejuízo é meu. Já você vai só ter que pedir desculpas.
Barreto bateu a mão na mesa e gritou:
- Tem 4 milhões de reais meus, do meu bolso, nesse filme! Quatro milhões que eu tive que pedir emprestado! Não vem me dizer que não tem nada meu aqui!
Luiz Carlos Barreto Borges, o Barretão, é o chefe do clã mais poderoso do cinema nacional. Na sua produtora, a LC Barreto, todos os filmes passam pelo crivo da sua mulher, a produtora Lucy Barreto, e dos filhos, os diretores Bruno e Fábio Barreto. A última a se agregar à firma foi a caçula Paula, responsável pela produção de Lula, o Filho do Brasil.
Salvo por Bruno, que mora em São Paulo, a família trabalha num escritório caindo aos pedaços, no centro do Rio, ao qual Barreto se refere como "essa porra desse botequim". A decoração é a mesma desde os anos 80: carpete verde vira-lata, janela escuro-encardida, persianas mal-ajambradas, espelhos descorados em abundância e esquadrias douradas em volta das portas.
No banheiro masculino, ao lado da privada, há um exemplar do livro Em Defesa de José Dirceu. Em outubro de 2005, quatro meses depois de Dirceu ter deixado a Casa Civil, Barreto organizou, no seu apartamento no Parque Guinle, uma reunião de apoio ao ex-ministro. "Ele tinha me dado muita atenção quando estava no governo, e hoje somos muito amigos", explicou.
Barreto divide uma sala com a filha Paula. Na parede, há dois retratos a óleo - um dele e outro de Lucy -, pintados pelo artista plástico Ademir da Costa. "É um conhecido aí da Lucy", apontou. A decoração é completada com os pôsteres dos filmes Dona Flor e Seus Dois Maridos, Bye Bye Brasil, Índia, a Filha do Sol, O Quatrilho, O Caminho das Nuvens e O Filho do Brasil, todos produzidos pela sua empresa.
Sua sala é mobiliada com um sofá manchado de café, uma enorme televisão de tela plana e duas velhas mesas de madeira, uma para ele e outra para a filha. Sobre a mesa de Paula fica o único computador da sala, do qual o produtor mantém distância. Sobre a de Barreto jaz uma barafunda de papéis, três telefones fixos e dois celulares. "Computador é uma máquina de escrever com arquivo", justificou. "Me diz se as pessoas passavam oito horas por dia abrindo e fechando gaveta de arquivo? Outro dia, na África do Sul, provaram que um pombo-correio pode ser mais rápido que um e-mail.
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