terça-feira, agosto 26, 2008

Disse tudo

Cláudio Lembo escreveu:

Passaram-se mil trezentos e vinte e três anos. É muito tempo. Segundo a História, o termo nepotismo foi concebido no papado de João V, no ano de 685.

Amigos dos parentes - especialmente sobrinhos - os papas não tinham nenhum pudor em nomeá-los para exercer funções nos diversos domínios pontifícios espalhados pela Itália.

Ampliou-se o costume. Encontrou campo fértil na colonização do Brasil. A velha prática papalina, presente em toda a Idade Média, atingiu a América portuguesa por inteiro.

Na certidão de nascimento, redigida por Pero Vaz de Caminha, o nepotismo se encontrava explicitamente expresso. A transferência do genro era solicitada pelo escrivão ao Rei D.Manuel.

Em sociedade de perfil rural, os laços familiares e o compadrio constituíam-se em caminho para a obtenção de benesses. Estas se configuravam em nomeação para os mais diversos cargos públicos.

O nepotismo implantou-se como hábito nacional. Todos querem uma boquinha. Aos familiares tudo. Na falta de laços de sangue, basta aproximar-se do poderoso do momento. Tudo será resolvido.

Não se trata de um costume apenas latino ou ibérico. É mundial. Os ingleses e os norte-americanos foram usuários da prática intensamente. Abraçaram o clientelismo de maneira desmedida.

William Marcy, em 1832, não teve constrangimento em afirmar "ao vencedor pertencem os despojos". Nascia a partilha de despojos - spoils system: os cargos públicos distribuídos aos amigos do vencedor.

Correu tempo até que a prática fosse cerceada no mundo anglo-saxão. Resta ainda um largo tráfego de influências. Este permite interpretação favorável das leis. Autorizações administrativas. Privilégios tarifários.

Por aqui, o costume estendeu-se por longo tempo. Encontra-se tão arraigado. Não podia ser extirpado sem dor. Os constituintes de 1988 procuraram conferir diretrizes.

Elaboraram o artigo 37 da Constituição. Bom dispositivo. A ponta para os princípios norteadores da atuação dos poderes da República. São regras de bem viver: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Apesar de auto-aplicável, esta norma constitucional foi relegada ao esquecimento. No Legislativo, os gabinetes dos parlamentares acolhem familiares e agregados.

O Executivo usa e abusa dos cargos de confiança. Os novos agregados - filiados ao partido vitorioso no último pleito - tomam posições com a avidez de um camelo em seguida à travessia de longo deserto.

Não escapou desta voracidade patrimonalista o Poder Judiciário. Foi tanta que o Conselho Nacional de Justiça editou resolução específica sobre o tema.

Temerosa, a Associação Brasileira dos Magistrados - órgão de representação dos juízes - ingressou perante o Supremo Tribunal Federal com ação declaratória de constitucionalidade.
Por quê? Segmentos do Judiciário não respeitaram a determinação constitucional e, por vias oblíquas, procuraram considerar inconstitucional a Resolução do CNJ sobre o tema.

O Supremo Tribunal Federal - na última quarta-feira, 20 - colocou ponto final no assunto. Considerou a norma do Conselho constitucional e, assim, baniu o nepotismo dos quadros do Judiciário e, por extensão, dos demais Poderes.

Demorou e muito. É bom começo, porém. O princípio, agora reafirmado, por ser norma constitucional, necessita ser atendido pelos demais Poderes.

As mudanças nos costumes se aceleram. As velhas práticas originárias de nossos antepassados vão merecendo superação. Assiste-se ao choque entre os velhos costumes e a ética reformada.
É bom recordar que, talvez por motivos políticos, entre os primeiros a se lançar contra o nepotismo, se encontra Lutero. Acoimou a prática de nomear parentes como geradora de uma casta eclesiástica.

Os princípios republicanos, aos poucos, ingressam na administração pública. Já não sem tempo. A coisa pública é de todos. Não se pode perpetuar como coisa doméstica.

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