E a polemica sobre o filme Tropa de Elite continua. O filme já está repercutindo lá fora (Europa) e se multiplicam artigos e editoriais em jornais europeus.
O reporter e correspondente da BBC no Brasil Gary Duffy (que é irlandês), lembrou do conflito na Irlanda do Norte e escreveu:
"O primeiro lugar para onde fomos foi o Centro Comunitário de Vila Cruzeiro. Estávamos lá fazia umas duas ou três horas quando a polícia chegou. Foi de uma certa forma uma experiência inquietante porque logo depois que chegamos a polícia entrou na área. Nesse ponto os fogos de artifício foram disparados para alertar as pessoas de que a polícia estava vindo. E logo depois disso houve vários tiros. Nós, assim com as outras pessoas que estavam no centro comunitário, tivemos que nos refugiar dentro do prédio. Eu venho da Irlanda do norte e eu tive alguma experiência de cobertura de áreas de violência, mas foi uma daquelas situações em que você chega em um lugar que você sabe que há problemas, mas uma coisa acontece imediatamente. É um pouco inquietante. E triste também. Num momento você vê crianças brincando numa piscina felizes, no outro você vê elas correndo para se proteger. Ao mesmo tempo, ninguém parecia muito alarmado. As pessoas pareciam encarar o que estava acontecendo como parte da sua vida diária. E isso é um triste reflexo do que está acontecendo.
"Há paralelos com a Irlanda do Norte. Lá, quando a polícia e o Exército entravam nas áreas católicas, as mulheres costumavam sair com tampas de metal e batê-las no chão para avisar as pessoas envolvidas no IRA. E no Brasil o equivalente disso pareceu ser o disparo de fogos de artifício para avisar os traficantes que a polícia está vindo. Também foi impressionante ver que em muitas áreas católicas não havia muita confiança na polícia, havia um certo ressentimento em relação à polícia, e dava para sentir uma atitude nas favelas de que a polícia não era muito bem vista, que não havia muita confiança na polícia. Havia uma certa simetria com a Irlanda do Norte.
"Um dos aspectos perturbadores que eu notei quando nós saímos de Vila Cruzeiro e fomos para o Morro do Alemão - não exatamente para o meio, mas para a borda, onde a polícia estava - foi o fato de que eram dois lados, a polícia e os traficantes, travando uma batalha com armas de alto calibre numa área que serve de casa a milhares de pessoas. O potencial para ferimentos graves e morte me pareceu muito grande. Não é o equivalente exato de uma guerra, mas é um conflito armado urbano e algo muito perturbador de ver.
"As pessoas pareciam muito cientes do que estava acontecendo. Isso também é um reflexo de que a violência é parte da vida diária. Em Belfast havia muita gente que sabia dizer pelo som do disparo que tipo de arma era e não me surpreenderia se as pesssoas das favelas do Rio também soubessem.
"A BBC tem regras muito rígidas de como agir em ambientes hostis e todos os jornalistas que podem acabar em lugares assim são treinados. Eu acho que nós usamos o bom senso, tomando cuidado em relação a onde ficávamos, tentando ficar fora de perigo. Ninguém deveria ser arrogante a ponto de achar que está totalmente seguro numa situação onde balas estão sendo disparadas porque é aí que as coisas dão errado. Uma ansiedade saudável não é ruim quando você é jornalista numa situação como essa.
"(A experiência) reforçou a minha impressão do Rio como duas cidades, pelo fato de tudo isso poder estar acontecendo numa parte da cidade, enquanto que em outra a vida continua relativamente normal. A mesma coisa poderia acontecer em Belfast. A violência ubana geralmente se concentra em áreas pobres. Eu sei que o crime afeta todo o Rio de Janeiro e várias classes sociais, mas certamente esse tipo de violência que vi no Complexo do Alemão está concentrada em áreas muito pobres. Isso é muito triste, está claro que há gente decente, trabalhadora, tentando ganhar a vida em circunstâncias que já são difíceis. As coisas são suficientemente duras sem esse nível de conflito que nós vemos no momento. Eles merecem mais do que isso.
"Para ser franco, foi pior do que eu esperava. O que chama atenção é a natureza indiscriminada da violência, o risco da "bala perdida". Enquanto a polícia e os traficantes estão diretamente envolvidos, pode ser muito perigoso para os não combatentes. Nós falamos com uma senhora que perdeu a filha dez anos atrás. Você pode ver o trauma só olhando para ela. A vida daquele indivíduo foi completamente alterada pela violência e eu não sei como alguém pode se recuperar disso."
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