A terceira reportagem é uma entrevista com um matador de aluguel. A reportagem é de autoria de Rogério Panda da Revista Trip:
O repórter disse a senha: "A paz do senhor!"..."Amém", respondeu um estranho. Ele atende por Roberto. Ou melhor, nos permitiu chamá-lo assim. Roberto mata profissionalmente há cinco anos. Cobra até R$20 mil para fazer um serviço bem feito. E mais: acredita ser um anjo enviado à Terra por Deus, para varrer a escória do mundo. E diz nunca se arrepender das mortes que executa. "Só mato bandido, não pai de família", garante o justiceiro.
Ex-policial civil, Roberto perdeu a mulher há seis anos, morta por dois assaltantes dentro de um supermercado. Até hoje, procura os assassinos, e, logicamente, mal pode esperar para farejá-los. Aos 28 anos, tem dois filhos para criar e se recusa a casar - de papel passado - de novo.
Cangaceiro urbano? Matador de aluguel? Anjo da morte? Nada disso. Ele é a própria justiça, acredita. Prende. Julga. E mata. Jura, como a Lei dos homens, que tem sua ética: a de não matar ninguém pelas costas. Também tem seus rituais: olhar nos olhos das vítimas antes de apagá-las, e depois cuspir de nojo em cima de seus corpos. Para encerrar a cerimônia de morte, acalma os nervos com um gole de cachaça.
Homem de sangue frio e personalidade forte, herdada do pai "cabra macho do Norte" que lhe ensinou a nunca levar desaforo para casa, Roberto consegue se emocionar com o acidente que matou os Mamonas Assassinas, mas não sente nada quando apaga alguém. "Todos que matei mereciam morrer", diz. Sua fala é mansa, carregada de um sotaque nordestino cheio de gírias e palavrões. Tem braços robustos, dignos de estivador. Sempre esperando pelo pior, Roberto anda com um 38 de cano serrado amarrado no tornozelo da perna esquerda, para eventuais emergências, como fazem os delegados. Suas ferramentas básicas são outro 38 cano longo e uma pistola 7.65. Se um falhar, ele saca o outro.
Não atira na cabeça, "porque faz muita sujeira". Mata à moda antiga, como se faziam nos filmes de bang-bang, sem frescuras! Esta entrevista rolou num estacionamento de uma cidade no interior de São Paulo. Foram quatro horas de conversa. Durante todo esse tempo, a tensão e a desconfiança foram descontadas em dois maços de Campeão, que Roberto acendia um na bituca do outro. "Em casa, a gente economiza fósforo", ironizou o justiceiro, em um dos poucos momentos de descontração.
Antes de matar profissionalmente, você já matava? Por que?
- Sim, porque ninguém nasce matando, tudo tem uma iniciação.
Como foi a sua?
- Eu trabalhava como policial e matava em nome da lei. È foda, parece loucura. Mas quem não é louco hoje em dia?
A morte de sua mulher influenciou na sua decisão de se tornar um justiceiro?
- De forma alguma. Não existe um motivo claro para você se tornar um justiceiro. As coisas acontecem e, quando você percebe, já esta afogado até o pescoço.
Quantos você já matou?
- Como justiceiro, 24 pessoas.
Quem são seus clientes e como eles entram em contato?
- Em geral são comerciantes. Eles entram em contato através de pessoas. Como você fez...
Você tem uma tabela de preços para seus serviços?
- Não existe uma tabela fixa de preço. Depende muito de quem tá querendo o serviço e de quem vou matar. O preço pode ser de R$ 5 mil, que é o mínimo que cobro, até R$ 20 mil.
Você só mata por dinheiro?
- Profissionalmente, sim. Mas se um amigo meu entrar numa treta, eu cobro a bronca sem ele precisar pagar nada.
O que acha da polícia?
- Justiceiros de fardas. Pelo menos eu cobro pra matar. E só mato bandido. Eles matam o primeiro que aparecer.
Qual é sua relação com a polícia? Não tem medo de ser morto por ele as ou bandidos?
- Conheço o pessoal, mas não existe um relacionamento amistoso. Ninguém é amigo de ninguém. Porque, mais dia menos dia, eles podem te foder. O cara que fala que não tem medo é cuzão.
Se você é pego pela polícia, existe acerto?
- Claro, tudo tem acerto. Mas se te pegarem por ordem dos grandes da polícia, não tem jeito.
O que acontece com um justiceiro na cadeia é o mesmo que com um estuprador?
- O bicho é feio. Não tem dinheiro que te deixe vivo. Mas quando a casa cai e você entrega o serviço (confessa), os policiais, que pagam um pau pra você, te deixam em uma cela separada. È saber usar a malandragem.
Para onde acha que vão as pessoas que você mata?
- Para sete palmos debaixo da terra. A alma deve queimar no inferno!
O que sente na hora de matar?
- Prazer. Porque todos que matei até hoje mataram, estupraram, prejudicaram alguém e o caralho. Então, eu me sinto um previlegiado do Senhor. Como se fosse um anjo com a missão de livrar o mundo dos pecados.
Então, você se sente um ser superior?
- Não. Mas acho que cada um tem sua missão na Terra. Por mais dolorosa que seja, ela tem que ser cumprida.
Onde fica o mandamento do Senhor que diz "não matarás"?
- È... Ninguém é perfeito (dá seu primeiro sorriso). Mas se você ver por outro lado, vai ver que eu mato a escória. Então, estou fazendo o bem. Se eu cometer alguma falha com Ele, devo pagar.
Qual é a reação das pessoas na hora da morte?
- È nessa hora que o cara mostra que é homem ou não. Muitos ficam com tanto pavor que não conseguem nem se mexer. Outros, mais cachorros, chamam a mãe, Deus e o caralho. Mas tem aqueles, meus preferidos, que olham no seu olho sem falar nada, como que dizendo: "se você não me matar agora, eu te mato filho da puta". Esses são foda, cê não esquece do cara.
Por que você cospe em cima do defunto?
- Isso é uma obrigação. Tenho nojo dessa raça.
Pretende parar de matar?Eu acho que nessa profissão você não pára. Ela pára com você.
Matar se torna um vício?
- Sim e não. Depois que você matou o segundo ou o terceiro, você acostuma. È diferente de ser viciado em matar. Me acostumei. Mais um, menos um, não faz diferença.
Você usa armas de grosso calibre, como uma doze ou bereta?
- Isso eu deixo pro cinema. Meu trampo é na moita, na calada da noite. Imagina, usar uma doze...
Mata com faca?
- Se liga né, meu! Não sou cangaceiro! Eu chego é para matar, não fazer cócegas.
Existe algum "código de ética" em sua profissão?
- Não mato pelas costas. Eu tenho que olhar no olho do cara para ele saber quem tá matando ele. Matar pelas costas é covardia.
E matar alguém desarmado, não é covardia também?
- Mas aí a história muda de lado, porque eu vim pra matar e não para fazer duelo.
Seus amigos e família sabem o que você faz?
- Amigos, só os de profissão. Na família, só uma irmã minha que sabe por alto. Porque se acontecer alguma coisa comigo, ela que vai cuidar dos meus dois filhos.
Já matou menor de idade e mulher?
- Não sei! Todos eles aparentavam ser de maior. Mato pilantra, não criança. Mulher, se for vagabunda, morre. Mato o traficante, não quem usa.
Qual é a pior droga?
- È você estar com fome e não ter o que comer. E ver um monte de moleque, da idade dos meus filhos, jogado pelas ruas.
Descreva alguns "trabalhos"? Os mais difíceis, na sua opinião.
- Eu fui pegar o figura. Ele tinha grana, era um traficante que tinha apagado uns moleques que estavam devendo. Assim que eu olhei no olho dele, o cara me encarou e disse: "Fala quem te mandou me matar, que eu pago o dobro pra você matar ele".
E você, o que fez?
- Sapequei o cara na hora, sem dó.
Já foi preso? Quantas vezes?
- Fui. Mas não quero falar nada.
Já matou outro justiceiro ou matador?
- Justiceiro eu nunca matei. Mas teve um matador que tava apavorando um pessoal. Aí, tive de matá-lo.
Matar é fácil?
- È só apertar o gatilho.
Você se acha o fodão?
- Acho, porque me garanto.
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