quinta-feira, abril 17, 2008

Paladar

Photo by Mendes Júnior (Cesto de laranjas - Lisboa)


Buchada de bode, sarapatel, sarrabulho, panelada, galinha pé-duro e picadinho de carne com farofa branca nos lados da rodoviária, que era ponto de mulheres públicas, mas somente de noite e de madrugada e de quase amanhecendo o dia, que engoliam pelo pinto homens de todos os tipos: altos, magros, morenos, doentes, sujos, ateus, vagabundos, sérios, bêbados e infelizes, vindos de tantos lugares, por Deus!: de Catingueira, de Capanema, de Barreiras, de Floriano, de Buriticupu, de Araripina, de Guaraciaba do Norte, de Itaporanga, de Uruoca, de Mombaça, de Mumbaba de Cima (e de Baixo) e de demais localidades sabe-se lá o quê mais, em que se forjava o amor no meio da rua, num beco, com cachorro beliscando os pés e a gataria miando no cio, encostados ao muro velho da bodega velha que nas manhãs dos velhos sábados vendia manga-rosa, banana-nanica, banana-prata, maracujá-suspiro, melão-cantalupo, jaca-da-bahia, ingá-feijão, cajá-manga, abacate roxo, ameixa-preta e ameixa-vermelha, estas últimas porque Florisvaldo, dono da pocilga que servia de encosto para o prazer desmesurado das cunhãs da vida com moços viajantes, tinha prisão de ventre obstinada e vivia se empanturrando da tal coisa, e também por ser a ameixa um excelente desobstruente do fígado, depurativo do sangue e desintoxicante do aparelho digestivo, como gostava de repetir, na medida em que permitia o afoitamento do neto, Florisneto, merecedor de surra de chicote queimado ou de tampa de panela de pressão nas fuças ou de cinta de couro de boi brabo nas costelas, que volta e meia aparecia com ratos vivos na mão, outra vezes baratas, caranguejeiras, escorpiões e cobras, anunciando que era imortal, que poderia comê-los de uma só tacada, que com ele não havia essa história de medo, e assim cresceu até não caber dentro de casa, e foi à rua, não muito longe, e encontrou no muro do avô as noviças putas, as ninfetas do breu, as mercadorias com cheirinho de mocidade e pau para todas, que acabaram lhe querendo um bem danado, chamegoso, arrepiante e gosmento, portanto, foi um chororó quando Florisneto cresceu ainda mais, mas de cabeça, e de formosura foi banhado, e decidiu deixar o avô e as pequenas do beco e pegar um ônibus desses grandes, de janelas fechadas e ares-condicionados, quem sabe, para Piracuruca, Piripiri, Buriti Lopes, Custódia, Castanhal, Pau Cheiroso, Quixeramobim, Palmeira dos Índios ou Oeiras, e entrou no automóvel com sua roupa do domingo, enquanto os queridos lhe balançavam as mãos em sinais de adeus, encostados ao parapeito da área de embarque, embora ele, coitado, não repetisse o gesto por estar atrapalhado segurando milho cozido, milho assado, broa, peta, rolo de cana, paçoca, biscoito recheado, sonho-paulista, um benevolente talho de queijo coalho e uma garrafa de suco de peroba, pois a viagem era longa e não era nada fastioso o moço, ao contrário, emborcava um prato de feijão como quem pegava uma mulher, e o mesmo será feito tão logo chegue em Marcolândia, que, por certo, haverá um beco nas proximidades da rodoviária para saciar o desejo dos viajantes.

Mendes Júnior


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