quarta-feira, junho 18, 2008

O Mercado de Câmbio e o Combate à Lavagem de Dinheiro


O artigo a seguir, do juiz federal Jorge Gustavo Serra de Macedo Costa, trata das recentes alterações no mercado de câmbio e suas implicações em face da política de prevenção à lavagem de dinheiro. O magistrado atuou perante a 4a. Vara Federal de Minas Gerais, especializada no julgamento de crimes contra o sistema financeiro e de lavagem de dinheiro, onde tramitou o inquérito que resultou no processo do mensalão.

O Conselho Monetário Nacional aprovou recente resolução que aprimora e simplifica as normas vigentes para operações de câmbio, substituindo a Resolução 3.265, de março de 2005. Sendo assim, o presente normativo passa a condensar todas as modificações que foram feitas desde então, incluindo as aprovadas na reunião do dia 29.05.2008.

As medidas foram adotadas, segundo informa o CMN, com o objetivo de promover uma maior desregulamentação no mercado de câmbio, iniciada na década de 1980, quando havia limites mais rígidos para a operação de compra e venda de moeda estrangeira. A questão é saber se, diante da maior facilitação para as operações de pequeno e médio porte, estaríamos preparados para exercer um mínimo controle a fim de evitar que tais operações sejam utilizadas como via fácil para a prática de lavagem de dinheiro, o que conflita com a política que vem sendo adotada nos últimos anos pela autoridades brasileiras, sobretudo diante da atual cena internacional.

Em síntese, entre as mudanças aprovadas está a permissão para que as instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional autorizadas a operar no mercado de câmbio possam contratar, mediante convênio: a) pessoas jurídicas em geral para negociar a realização de transferências unilaterais, na forma definida pelo Banco Central; b) pessoas jurídicas listadas no Ministério do Turismo, para a realização de operações com moeda estrangeira em espécie, cheques ou cheques de viagem (“câmbio manual”); c) instituições financeiras e demais instituições, não autorizadas a operar com câmbio, para realização de transferências unilaterais e compra e venda de moeda estrangeira em espécie, cheques ou cheques de viagem (“câmbio manual”).

As negociações acima citadas estão limitadas a US$ 3 mil, por operação. É dizer, nesse caso, que será possível fazer e receber transferências de recursos no exterior, até U$ 3 mil, através de correspondentes bancários, como, por exemplo, casas lotéricas. Além disso, agências de viagens, hotéis, pousadas e outras empresas de serviços turísticos poderão vender e comprar dólares, até o limite de 3 mil sem autorização do Banco Central, desde que sejam registradas no Ministério do Turismo.

Destacam-se ainda as seguintes mudanças:

- Os bancos autorizados a operar no mercado de câmbio (exceto bancos de desenvolvimento) terão permissão para realizar operações de câmbio com bancos do exterior, recebendo e entregando, em contrapartida, reais em espécie.

- Estão dispensadas de apresentação de documentação as operações de compra e venda de moeda estrangeira até o equivalente a US$ 3 mil. Fica mantida, porém, a necessidade de identificação do cliente.

- O Banco Central fica autorizado a estabelecer formas simplificadas de registro para operações até o equivalente a US$ 3 mil.

- A resolução eleva de US$ 20 mil para US$ 50 mil o limite das operações de câmbio simplificado de importação e exportação celebradas por instituições financeiras não bancárias.

É fato que as medidas anunciadas pelo CMN visam facilitar o acesso ao mercado de câmbio possibilitando que operações de pequeno porte – limitadas a U$3 mil (três mil dólares) - possam ser realizadas sem a intervenção direta do sistema bancário. Indaga-se, contudo, se a flexibilização desse sistema não tornará fértil o caminho para o fomento da lavagem de dinheiro, uma vez que, como se sabe, o sistema financeiro – em especial as operações de câmbio – são, sem sombra de dúvidas, o maior viés para a prática da lavagem de dinheiro.

Hoje, bem ou mal, as operações de câmbio sofrem fiscalização da autoridade monetária (BACEN) e somente podem ser realizadas por instituições autorizadas. Por força da nova resolução, essas operações passarão a ser feitas – respeitados os limites de valores – por correspondentes e empresas de turismo que não sofrem fiscalização do Banco Central. Além disso, pela própria extensão da medida, indaga-se se as instituições financeiras autorizadas estariam devidamente estruturadas através de seus sistemas de COMPLIANCE para monitorar eventuais operações suspeitas, sobretudo, agora, em que não mais haverá necessidade de documentação da operação de compra e venda de moeda estrangeira, preservando-se tão-somente a identificação do cliente.

Para que se tenha uma idéia do tamanho da repercussão dessa medida, existem hoje no Brasil 11 mil agências de viagens cadastradas no Ministério do Turismo, sendo que, dessas, apenas 240 obtiveram autorização formal do BACEN para atuar no mercado de câmbio. Com o novo regramento, todas, em tese, passam a ter direito a efetuar operação de compra e venda até o limite de 3 mil dólares. Pergunta-se? Há estrutura de fiscalização para isso? Estaria o COAF, RECEITA e BACEN devidamente estruturados para monitorar minimamente a regularidade das operações?

Como afirmado, a evasão de divisas apresenta-se como uma das principais tipologias (prática) da lavagem de dinheiro, sobretudo quando realizada na modalidade do que vulgarmente se denomina de “leva e traz” ou “formiguinha”, ou seja, quando pequenas quantias são transferidas em sucessivas operações de forma a dissimular a origem ilícita do recurso.

De outro lado, tem-se que a melhor e mais eficaz forma de se investigar e provar a prática de um crime financeiro – e também de lavagem – é por via do rastreamento dos recursos. A nova sistemática adotada pelo CMN, de uma certa forma, passa a dificultar a apuração desses delitos na medida em que incrementa o porte e a transferência de recurso em espécie, sobretudo de moeda estrangeira, de grande e fácil circulação. Como as instituições financeiras deixam de atuar diretamente em pequenas operações, pode-se presumir que as mesmas não mais estarão sujeitas a registro, dificultando, inclusive, a identificação dos verdadeiros operadores.


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